Abrir um álbum de fotografias é como mergulhar de cabeça nas águas da própria história. Águas essas que nem sempre são límpidas e calmas. Mesmo que por vezes turvas e turbulentas, compõem o nosso oceano e as experiências que nos trouxeram até aqui. Somos quem somos por conta dos nossos ancestrais, da forma como fomos criados, das vivências que tivemos, das pessoas com quem convivemos, da cultura na qual estamos inseridos, das dores sofridas, das perdas, das conquistas alcançadas.
Há quem diga que uma imagem vale mais do que mil palavras. Não sei bem se concordo com essa máxima, apesar de obviamente acreditar muito no poder das imagens. Eu gosto mesmo é do efeito das fotografias de monte. Olhar para as narrativas das entrelinhas presentes em fotografias encadeadas, de forma intencional ou pelo acaso (se é que este existe). Tentar encontrar algo que se repete, encaixar os fatos, conversar com as imagens.
As fotografias da nossa vida podem nos ajudar a contar, ou mesmo recontar a nossa história, lembrando que uma história pode ter diferentes pontos de vista. E que tudo bem a gente passar a olhar por outros lados conforme vamos amadurecendo e ampliando nossa consciência. É comum termos uma visão enviesada e lembranças apenas de trechos da nossa história, de acordo com a forma como percebemos os fatos na época em que aconteceram. Ou ainda, de acordo com a forma como percebemos aquilo que nos foi contado.
Em um grupo de arteterapia que conduzi, umas das mulheres participantes se surpreendeu ao se deparar com fotografias de sua infância para uma das atividades. Ela vinha trazendo uma narrativa muito carregada de raiva e mágoa com relação à família, em especial aos pais e à forma como foi criada. Em uma das sessões, fotografias de sua infância despertaram lembranças de momentos felizes, divertidos e amorosos em família, que estavam sendo soterrados pela fala apegada em emoções conflituosas. “Não lembrava disso! Até que tive uma infância legal.”
Fotografias não são verdades absolutas, mas sim recortes de realidade. São instantes. Porém são instantes que nos tiram de generalizações recheadas de “sempre” ou “nunca”, nos permitindo mudar aquela narrativa viciada que repetimos sem nem pensar. Só sei que foi assim. Então, que tal encarar uma viagem para seus álbuns de fotografias?
Remexendo o baú
Olhar para nós mesmos nem sempre é gostosinho. Pode ser desconfortável. Pode ser bem dolorido, inclusive. Porém quando juntamos coragem para olhar para o espelho e para a nossa história de forma profunda e curiosa, aceitando a imperfeição da nossa humanidade, é bem enriquecedor. Agregando e dando voz a nossas partes nos tornamos seres inteiros e autênticos.
Viver plenamente quer dizer abraçar a vida a partir de um sentimento de amor-próprio. Isso significa cultivar coragem, compaixão e vínculos suficientes para acordar de manhã e pensar: “Não importa o que eu fizer hoje ou o que eu deixar de fazer, eu tenho meu valor.” E ir para a cama à noite e dizer: “Sim, eu sou imperfeito, vulnerável e às vezes tenho medo, mas isso não muda a verdade de que também sou corajoso e merecedor de amor e aceitação.”
A coragem de ser imperfeito, Brené Brown
Registros da nossa existência podem nos ajudar em nosso processo de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Fotografia e escrita, modalidades artísticas tão presentes em nosso cotidiano que até esquecemos que são arte, são recursos muito poderosos, verdadeiros tesouros para quem está na busca por sua essência. Diários, poesias, bilhetes, fotografias são vestígios que revelam passagens da nossa vida.
Um professor uma vez me contou que não tinha fotografias de quando era criança nem adolescente e que isso dava uma sensação imensa de vazio diante da própria história. Fiquei imaginando como seria a minha percepção de mim mesma sem as minhas fotografias, tendo em vista que muitas das minhas lembranças e auto imagens de infância vêm de fotografias e não de memórias propriamente ditas.
Acredito que não há o que questionar quanto ao valor dos registros do passado. Acontece que além de sermos seres em constante desenvolvimento, o passado é feito de um presente que se foi. Então, pra deixar algo pra trás, temos que fazer agora, no presente. O que quero dizer é que as fotografias que fazemos e as palavras que escrevemos, expressando como pensamos, como nos sentimos, se já são valiosas hoje, imagina com o passar do tempo.
Na prática
“Ana, já entendi que fotografia e escrita podem ajudar a me conhecer melhor, mas como posso usar essas ferramentas no dia-a-dia?”
Comece identificando o que é mais fácil e confortável pra você. É mais fácil fotografar? É mais fácil escrever? É melhor fazer os dois juntos (acredite, um puxa o outro)? Em que horário? Assim que acordar? À noite? Em uma pausa do trabalho? Com que frequência? Você prefere fotografar com uma câmera? Funciona melhor com o celular? Prefere escrever no computador? Num caderno? No celular? As possibilidades são muitas e é você quem tem que descobrir o que funciona melhor na sua rotina.
Você já leu ou já ouviu falar no livro “O caminho do artista” da Julia Cameron? Sem querer dar muito spoiler, um dos exercícios propostos para desbloquear a criatividade são as páginas matinais. Esse exercício consiste na escrita diária de três páginas pela manhã de forma livre, sem julgamentos, daquilo que vem à mente. Posso te adiantar que na minha experiência foi um exercício incrível que me trouxe muitos insights e me mostrou muitos pensamentos repetitivos, padrões de comportamento e crenças limitantes com mais clareza. Entretanto nem sempre consigo fazer uma escrita diária, nem sempre são três páginas e nem sempre são pela manhã. E é o que temos pra hoje. Faço da forma que funciona pra mim. Estou te contando isso porque eu posso até dar algumas ideias, mas é você quem vai descobrir o seu caminho.
Vou te dar algumas dicas para usar a fotografia como ferramenta de autoconhecimento. São algumas sugestões de como usar a fotografia no seu processo de olhar para si e cuidar de suas emoções, o que também pode te ajudar a exercitar a criatividade e a desenvolver o olhar fotográfico. Tudo isso fica ainda mais rico e divertido se você criar um caderninho especial, daqueles secretos que só você vê.
Olhe fotografias aleatórias (não precisam ser suas) e observe no seu corpo as sensações que ela te provoca. Paz, alegria, desconforto, tristeza… Cole a fotografia no caderno ou em um arquivo digital, se preferir, e escreva essas sensações. A observação de como nos sentimos é um importante passo para nos conhecer de forma mais profunda. Entender como as imagens nos provocam sensações nos ajuda a fotografar de maneira mais consciente e expressiva.
Ainda com fotografias aleatórias de pessoas desconhecidas, crie histórias sobre aquela cena que foi capturada. Invente nomes, contextos, falas. Além de ser muito divertido, é uma oportunidade de criarmos sem julgamentos (o caderninho é secreto, lembra?) e esses diálogos e histórias podem nos falar muito de nós mesmos.
Converse com fotografias de outras épocas de sua vida. Dê voz àquelas pessoas. Escreva uma carta do seu eu do passado pro seu eu de hoje ou vice-versa. "Oi Ana! Que bom te ver crescida! Estou feliz em ver que você tem gatinhos em casa. Lembra o tanto que eu amava bichos?"
Observe no rolo da câmera do seu celular os temas que mais aparecem. Que tal criar uma série de fotografias ou até mesmo um projeto fotográfico explorando esse tema de diferentes formas?
As possibilidades de uso da fotografia em Arteterapia são infinitas, pois são imagens que facilmente nos conectam emocionalmente e mexem com nossas lembranças. Essas são apenas algumas ideias para que você olhe a fotografia com outras lentes e explore esse recurso que está em suas mãos em prol da sua saúde mental e de uma vida mais autêntica e criativa, e ainda para te ajudar a contar ou recontar a sua história.
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