Você já esteve na casa onde viveram seus bisavós? E no quarto onde sua avó nasceu?
Quando estava começando a fotografar, mais de uma década atrás, viajei para o sertão da Bahia com o objetivo de fazer fotografias para um livro sobre encontros de família. Da minha família.
Minha família por parte de mãe é do interior da Bahia, pra onde desde pequena ia passar férias, visitar meus avós e outros familiares. Alguns cresceram e viveram na roça, outros foram para as cidades próximas, e outros ainda foram ganhando trecho Brasil afora. Só sei que tenho parente pra tudo quanto é canto.
Apesar de ouvir as histórias que minha avó contava, eu não tinha conhecido (ou pelo menos não me lembrava) a casa onde ela e seus irmãos nasceram e cresceram, a famosa Toca. Nessa viagem pude conhecer um pouco mais das minhas raízes, ouvir mais histórias, guiada por três tios-avós que também puderam reviver tantas lembranças.
Visitar aquelas roças foi uma experiência muito rica, especialmente a casa da Toca. Eu olhava para as paredes de barro, imaginando as brincadeiras entre minha avó e seus nove irmãos, o sofrimento que já passaram, o trabalho pesado, as trouxas de roupa levadas na cabeça por quilômetros até o riacho, as latas de água que dele eram trazidas, as festas de São João no terreiro em volta de uma fogueira. Podia não ter energia elétrica, nem telefone, nem automóvel, veja lá outros avanços que temos hoje em dia na cidade, mas era um lar cheio de amor. Na casa havia um quarto para minha bisavó parir. Passou um filme de mais de um século na minha cabeça.
Visitamos também outros dois lugares. Um era a roça onde viveu um tio da minha avó, lugar que era muito especial para eles. Lugar onde viviam vários primos. Logo comecei a imaginar as farras da meninada, os passeios de domingo. Outro lugar foi uma outra roça onde eles moraram na adolescência. Minha avó, a mais velha entre os irmãos, já era casada e já tinha tido filhos. Isso mesmo… conheci uma das casas onde minha mãe passou parte da sua infância. Casa que foi construída pelas mãos do querido tio Zé, que assim como minha avó, não se encontra mais materialmente entre nós.
Essas roças não pertencem mais à nossa família. Outras famílias se formaram e foram felizes por lá. Sofreram e ainda sofrem com a seca que tanto prejudica a colheita e a produção animal. Uns nasceram e outros morreram. E como não é nada de se estranhar pelos costumes locais, lá mesmo foram enterrados.
O que mais me impressionou foi o tanto que fomos bem recebidos em cada um desses lares. Entre café e avoador (biscoito de polvilho comum na região, parecido com a "peta") muitas histórias e lembranças brotavam. Quanta hospitalidade! Quanta simplicidade! Quanta humildade! Por um instante pensei nos vizinhos que mal respondem um cumprimento no elevador, na vida acelerada, no que realmente importa.
E ali, no coração do sertão baiano, onde havia chegado energia elétrica havia um mês, eu estava entre pessoas que conheciam meus avós, tios-avós e bisavós, pelas histórias que seus ascendentes contavam. Não os conheciam pessoalmente mas os respeitavam pelas pessoas boas que foram (e ainda são os que estão vivos).
Em dois dias viajei praticamente um século. Pude mostrar para as crianças da família, que talvez passarão a vida sem conhecer, os lugares de onde todos nós viemos. Voltei com aquela chama que aquece o coração quando a gente revisita nossas próprias origens. Um tempo depois que fiz essas fotos, soube que a casa da Toca foi demolida para a construção de uma ferrovia. Senti um aperto, como se um pedaço da minha história estivesse sendo enterrada junto com aquelas paredes de barro. Por outro lado, me senti muito grata e privilegiada por poder ter conhecido e fotografado o que vi.
Um pouquinho das minhas raízes, das cores e texturas do sertão.
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