Quando falamos em Arteterapia é fácil imaginar um atelier acolhedor, todo colorido, cheio de materiais artísticos, tanto para atendimentos individuais como em grupo. Com a pandemia, o mundo teve que se adaptar a uma outra forma de se conectar com as pessoas, pelas telas.
O isolamento social fez até quem era mais resistente ao mundo digital acabar se dobrando a outras maneiras de se comunicar, de estudar, de trabalhar, de empreender. Enquanto lidávamos com situações completamente desconhecidas, como o medo da doença, a perda de pessoas próximas ou não, além do próprio estresse causado pelo isolamento, a ansiedade e a depressão foram fazendo morada. Estima-se que no primeiro ano da pandemia houve um aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão no mundo inteiro.
Com esse impacto na saúde mental, os serviços de apoio também tiveram que se adaptar ao mundo online, dentro do possível. O setting arteterapêutico passou de um atelier para a casa de cada cliente. Assim como outros modos terapêuticos, a arteterapia teve que se moldar a essa nova realidade. Ouso dizer que é uma realidade que não tem mais volta.
Se por um lado perdemos o contato físico e a energia pulsante de um grupo presencial, por outro ganhamos novas possibilidades de irmos além das paredes do atelier, da empresa, da instituição. Vou apontar a seguir algumas características que observei durante os grupos do meu estágio em arteterapia, que aconteceram na modalidade online, inclusive com alguns depoimentos das mulheres que participaram.
Vantagens e limitações do atendimento online
A modalidade online possibilita que pessoas de qualquer lugar do mundo se conectem, ultrapassando barreiras espaciais. Assim, o atendimento não precisa ser restrito a pessoas que moram na mesma cidade que nós. É possível fazer um grupo online com pessoas de diferentes lugares do país e do mundo, cada uma com seu sotaque, com sua cultura, com seus costumes, com seu clima, o que pode ser muito enriquecedor para todos.
“A logística de fazer os encontros só foi possível no formato online, contribuiu para a assiduidade. E também pude encontrar mulheres de outras partes do Brasil. Acho que o formato presencial seria melhor para ter a supervisão das arteterapeutas mais próxima. Talvez auxílio nas técnicas e trabalhos.”
Com o atendimento online evitamos deslocamento e ganhamos tempo. Precioso tempo. Podemos fazer a sessão no conforto do nosso lar e isso pode ser uma vantagem, mas também pode ser uma limitação caso não haja um espaço privativo e sossegado, em que não haja interrupções.
“Os encontros fluíram tão bem, que parecia muitas vezes que estávamos juntas, uma do ladinho da outra.
Pontos positivos de ser online: não precisa de um deslocamento, permite ter contato com pessoas de outras cidades.”
Para minha surpresa, algumas das mulheres relataram que por meio das telas fica mais fácil falar sobre assuntos difíceis. É como se a distância física se tornasse um campo seguro para falar sobre vulnerabilidades.
“Acho que é mais fácil falar sobre coisas que não nos agradam, porém é mais difícil conhecer melhor as pessoas e criar um vínculo.”
Quando o atendimento é presencial, os materiais são aqueles disponíveis no atelier do arteterapeuta. No caso do atendimento online, as clientes utilizarão os materiais que possuem em suas casas. O que antes me parecia uma limitação, com a experiência do estágio percebi que poderia ser uma potência diante de relatos de que elas sentiam que exploravam mais a criatividade utilizando os materiais e objetos aos quais tinham acesso. Pudemos vê-las trabalhando com tintas preparadas com corantes comestíveis, materiais orgânicos coletados no jardim, uso de papéis de presente, embalagens, tecidos, objetos afetivos, instrumentos improvisados para modelagem.
“A praticidade para mim é um grande fator positivo. Não ter que se preocupar com deslocamento e organizar muito tempo antes para estar no horário. Além disso, estar em casa facilitou também em relação aos materiais. Os pontos negativos foram minha conexão com a internet que atrapalhou em alguns momentos e não poder ver as outras participantes criando também.”
Questões relacionadas à conexão com a internet, queda de energia, falhas nos aparelhos eletrônicos e outros imprevistos do mundo digital podem acontecer. É preciso que não apenas arteterapeutas, mas também seus clientes, tenham alguma destreza nas plataformas de reuniões online.
O setting arteterapêutico nas sessões online
Um dos desafios encontrados na arteterapia online é o preparo do setting arteterapêutico, ou seja, do local onde as sessões acontecerão. É muito importante que seja um lugar tranquilo, com os materiais disponíveis e organizados, com espaço para que sejam feitas as produções artísticas. Quando estamos em casa, as interrupções podem ser de diferentes ordens, seja por outras pessoas que estão na casa, animais domésticos, campainha, até mesmo obras na vizinhança.
Nem sempre é possível ter o setting ideal em casa, entretanto podemos buscar sempre preparar um ambiente acolhedor, com velas, incensos, difusor com óleos essenciais, e também avisar as pessoas da casa que aquele é um momento sagrado e que deve ser respeitado, pedindo que não aconteçam interrupções desnecessárias. É momento de desligar as notificações do celular, deixar o espaço e materiais organizados e aproveitar a sessão como um tempo para cuidar de si.
Afinal de contas, dá pra fazer arteterapia online?
Com certeza! Não existe melhor ou pior no que se refere à modalidade das sessões de arteterapia. Perde-se de um lado, ganha-se de outro. Não temos a energia do presencial, a presença mais próxima do arteterapeuta, contudo na arteterapia online unimos praticidade, conforto e globalização. E devemos pensar para além da comodidade, lembrando que as sessões online podem proporcionar atendimento em situações que presencialmente não seriam possíveis. Muitas vezes a busca por algo ideal nos distancia daquilo que é possível e do contato com situações que podem nos fazer bem.
Depois da experiência dos dois grupos de estágio, por treze semanas, podemos dizer que o saldo é muito positivo. As próprias mulheres perceberam e relataram mudanças em suas vidas após o processo arteterapêutico online.
“A experiência de arteterapia no grupo de mulheres foi extremamente marcante e sensível. Me provocou a acessar de forma cuidadosa e intensa aspectos de mim (comigo e (n)as minhas relações) que muitas vezes deixava ali, quietas, escondidas. E fazer isso coletivamente é um exercício de abrir portas, se acolher, acolher as demais.”
Cabe a nós arteterapeutas nos adaptar a essa nova realidade do mundo online, sem perder a essência do nosso trabalho, o contato com a alma através da arte.
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